Mas, afinal, o que é um jardim cafona?
Ou, como diriam os napolitanos, cafone, já que esta seria a expressão correta para o masculino singular da palavra que define algo de mau gosto.
Será que poderíamos chegar a um consenso sobre um paisagismo pouco refinado até o final desta matéria? Certamente que não. O que para alguns é espalhafatoso pode ser para outros sinônimo de magnificência e classe. Então – você estará se perguntando – porque estou abordando esta questão? Bem, acho que é relevante separar o joio do trigo isto é, definir o que é um jardim agradável, original e gostoso de ver e percorrer, daquele pretensioso onde encontramos adornos exagerados e plantas confinadas em espaços pouco propícios para seu desenvolvimento.
Nos últimos anos observo uma glamorização exaltando aqueles que se dedicam à nobre atividade de “pintar com verdes” os terrenos que ainda o concreto não ocupou. Centenas ou quem sabe milhares de mulheres e de homens, descobriram no paisagismo uma forma de ganhar prestigio e dinheiro, entretanto me preocupa o modo como é vista esta atividade que é definida como decorativa por alguns, descartando a função psicológica que ela exerce na sociedade. Quando, pomposamente, desenhamos uma área externa – não nos importando se é uma residência ou um lugar público, pecamos esquecendo que a matéria prima fundamental é a vegetação e que ela é por definição, natural e com vontade própria, não se submetendo aos caprichos que lhe são impostos quando, artificialmente, reduzimos sua função a meras sebes recortadas ou topiarias de mau gosto.
Vejo como cafona a maneira arrogante e espalhafatosa de abusar do termo “clean” quando nos referimos a um jardim. Essa palavra lembra uma coisa limpa e obriga os incautos a varrer as flores que salpicam coloridamente os gramados e calçadas, privando-os de contemplar a natureza em sua plenitude. Da mesma forma expressões como “vintage” e “zen” são usadas sem o mínimo sentido por aqueles que pensam serem sofisticados perante seus clientes. Como podemos qualificar depreciativamente de vintage uma árvore, uma pérgula ou a reprodução da estatua de Clóris, a deusa da primaverana mitologia grega? Enquanto ao zen, será que os que abusam do termo sabem realmente de que se trata? Aliás, sofisticado por definição é algo falso e sem autenticidade que imita o verdadeiro, como as plantas artificiais, a grama sintética e olegging de oncinha. Sofisticado e cafona como Donald Trump (e não pelo fato de seu penteado), mas por dizer: ” Sou muito bom em guerras. Eu amo as guerras, incluindo as armas nucleares”. É cafona a vulgaridade de um tênis com salto alto e o quadro combinando com a cor da parede e o sofá da sala, mas é muito mais cafona derrubar árvores para depois construir um condomínio onde as ruas tem nomes como ipês, flamboyant ou mangueiras. Hum, irônico não é?! Irritante é o comportamento cafona dos esnobes qualificando de kitsch ou retrô o pinguim de geladeira enquanto usam os tapetes costurados por crianças escravizadas em Paquistão e Irã.
Entretanto não há nada mais cafona do que copiar, imponderadamente, aquilo que vem de fora achando que é chique.
Meu conselho? Use menos pedrinhas brancas e mais forrações com plantas tropicais; introduza palmeiras nativas e abdique um pouco das palmeiras imperiais (vivemos uma República desde 1889, já é hora de usar palmeiras republicanas, não é verdade?!); observe as possibilidades de sua região e explore as espécies nativas e também aquelas que se aclimataram a ela.
Ah! Se ainda lhe tentam as cafonices propagandeadas, não se aflija, afinal de contas todos escorregamos em algum momento e rimos com as sátiras bregas do humorista cearense Falcão.
Raul Cânovas nasceu em 1945. Argentino, paisagista, escritor, professor e palestrante. Com 50 anos de experiência no mercado de paisagismo, Cânovas é um profissional experiente e competente na arte de impactar, tocar, cativar e despertar sentimentos nos mais diversos públicos.
Adorei seu artigo Raul!!!
Traduziu meu sentimento, muitas vezes sinto que o paisagismo é confundido com um enfeite…totalmente fora de contexto.
obrigada!
Ah, que bom Vivian! muito obrigado pelo comentário!!!
Abraços
kkkkk Excelente essa crônica,senhor Raul!!!!!! Que bela sacada!! Que ótima definição de cafonice!! Passo a admira-lo mais e mais. Parabéns e um grande abraço!
Que os cafonas nos perdoem, Catalina.
Um cortês abraço!
Querido Raul! Desde que comecei a estudar e projetar jardins, essa foi sempre a minha preocupação. Me diferenciar dos profissionais da minha cidade que abusam de pedrinhas brancas, palmeiras Fenix e Cicas, fazendo todos os jardins iguais. Lendo essa sua mensagem, tive a certeza de que estou no caminho certo, deixando as plantas crescerem livres, sem podas e tomando o cuidado de sempre pesquisar espécies diferentes para alegrar o jardim e a vida dos meus clientes. Obrigada por compartilhar tão generosamente de toda a sua sabedoria. Um grande abraço!
Oh Cleide!
Gostei de seu comentário. Siga por esse caminho, desse modo seus clientes serão felizes e você também.
Grande abraço
Pior de tudo é que a gente quer fazer algo mais sofisticado e natural, mas o publico e clientes gostam de uma cafonice.
Carlos,
É nosso dever, também, educar nossos clientes para que usufruam de um paisagismo elegante.
Abraços