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Paisagismo e Jardinagem

O Médico e o Paisagista

Recém-chegados de férias (esse ano, a família foi para a Disney), a esposa do Doutor Renato Ross (nome fictício) foi a primeira a observar. Tinha que admitir: ficou lindo o jardim do vizinho da frente. Embora ainda novo, possuía algo que despertava uma mistura de admiração e inveja. Haviam sido provocados, não tinham dúvidas. Escondida do marido, a esposa foi visitar a vizinha, com a desculpa de levar-lhe uma lembrancinha da viagem, sem, no entanto, esquecer-se de elogiar o belo jardim. Sua intuição não falhou: saiu de lá com o nome e o endereço do tal paisagista. Orgulhosa, forneceu o endereço ao marido. Este, a convenceu a não contratar o mesmo profissional. O objetivo era obter um jardim mais bonito do que o do vizinho. Em um feriado prolongado, o casal resolve pesquisar o assunto ‘via web’ e acabam comparando vários paisagistas, decidindo contratar um melhor, cujo ‘site’ os impressionara. No dia seguinte, toca o telefone:

– Alô! Gostaria de falar com o paisagista daí!
– Quem gostaria?(…) Um momentinho – responde a secretária – Chefe, é um cliente! É um tal de Doutor Ross! O senhor atende?

Tom Gameleira (nome fictício), um tipo truculento, estava à frente de seu computador teclando com a mão esquerda, já que a direita estava ocupada com um suculento Big Mac. Com o telefone entre o queixo e o ombro, atende:

– Pois não! – deitando a guloseima na mesa – Gameleira, bom dia!
– Bom dia, meu nome é Renato Ross, sou médico e moro no condomínio Villa Verde. Gostaria que o senhor fizesse um jardim para mim. Quanto o senhor acha que eu vou gastar?
– Sem problemas – diz o paisagista – Conheço o condomínio: fica há uns 10 quilômetros daqui. É a primeira vez que o senhor ”compra” um jardim ?
– É… Sim… Hã… Por quê?
– Então devo informá-lo que o seu jardim é, para mim, o que o doente representa para o senhor. Como não existem ambulâncias para jardins, vou ter que ir até aí. E essa visita técnica normalmente é remunerada, OK? Se o senhor quiser, vou passá-lo, novamente, à minha secretária para agendar uma data. Sabe como é, eu aqui, sou a cabeça da empresa, ela é o pescoço: vira a cabeça para o lado que quer.
– Com todo o respeito – responde o Doutor – mas, eu acho que essa vinda deveria ser um investimento que o senhor deveria fazer em cima do cliente!
– Doutor Renato, não sei exatamente a sua especialidade, mas, se o senhor for especialista de uma determinada doença que eu houvera contraído, a primeira pessoa que eu procuraria, seria o senhor. E a consulta, eu pagaria com muito prazer, com a certeza de que, com o seu conhecimento, eu me curaria. Esta pequena quantia será descontada quando da contratação do projeto executivo, não se preocupe.
– Mas, eu queria pelo menos ter uma ideia de quanto eu vou gastar. O senhor ainda não falou quanto!
– E nem dá para pular as etapas de um Projeto Paisagístico. Seria como subir pela escada pisando no quinto degrau! Nem sei o tamanho do seu jardim.

Já meio impaciente, o médico retruca:

– Tem uns 500 metros quadrados. Dá um “chute” aí!
– Bom, entendi… o senhor está atrás de um preço. Nesse caso, o jardim mais barato é o que o senhor tem aí hoje. Mas, se gastar mais um real, o senhor vai ter um jardim de príncipe!
– Um real? Jardim de príncipe? “Tá” me zoando é?
– Absolutamente, Doutor! O Pequeno Príncipe não tinha um jardim com uma planta só? Vou sair daqui, plantar uma planta e voltar.
– Mas, não quero um jardim com uma planta só!
– Ah, bom… Se o senhor tiver dez reais, daria para acrescentar mais algumas plantas. Se tiver cem reais, daria até para acrescentar umas placas de grama. Se tiver mil… (tu… tu… tu…tu… tu…) Mal-educado, desligou!

Mais tarde…

– Alô! É do escritório do Paisagista Tom Gameleira? Ele está, por favor?
– Quem gostaria?
– É a Ingrid, esposa do Doutor Renato Ross… Ingrid sem o “e”.
– Ah, sim. Ele esteve conversando, de manhã, com o Tom, e parece que a linha caiu.
– Sabe o que é, ele não gostou muito de seu chefe e ficou nervoso, desligando o telefone. Mas, eu vi no site de vocês, jardins muito lindos e gostaria de retomar o assunto.
– “Pois não, vou passar para ele. Um momentinho. (tcharanã nã nã nã… nã nã nã… nã nã nã… ritmava o telefone, enquanto Tom se ajeitava na poltrona).
– Alô, boa tarde! É Tom Gameleira falando.
– Senhor Gameleira! É Ingrid falando. Ingrid sem “e”. Sou esposa do Doutor Ross.
– Ah, sim, pois não! O que aconteceu com o seu marido? Desligou o telefone na minha cara!
– Ele teve motivo para isso também, “né”? Ele ficou muito bravo com o tratamento que o senhor deu a ele, hoje de manhã.
– Peço desculpas, minha senhora, acho que eu perdi a compostura. Ele queria saber o preço do jardim de vocês por telefone! Não tem como!
– Eu é que tenho que me desculpar pelo meu marido, senhor Gameleira. Ele anda muito ocupado, nervoso e quer resolver as coisas muito rápido, sempre. Mas como é que o senhor trabalha?
– Então, vamos começar pelo começo. – ajeitando o telefone no outro ouvido – Somente um Projeto Executivo de Paisagismo pode revelar o preço de um jardim. Antes, teremos que passar pela visita técnica, todo um estudo preliminar, o anteprojeto, memorial descritivo… Só então, poderemos elaborar um orçamento.

Explicando cada detalhe e o passo-a-passo de como se inicia um jardim, conclui:

– Outra coisa: com o projeto na mão, poderão executar o seu jardim aos poucos, conforme suas posses. Ao menos, o resultado final será harmonioso, com aprovação visual e que ascenderá a alma e o espírito de toda a sua família. Seu marido falou que o valor da visita iria ser descontado quando da contratação do projeto?
– Entendi. E quanto custa tudo isso? Um real? – pergunta ela, rindo para descontrair a conversa.
– Vou colocar a senhora em contato com a minha secretária e agendaremos uma visita, pode ser?

A secretária consulta a tabela e comunica o preço e o dia da visita do chefe. Muito contrariado, o marido acaba concordando com a solução da esposa e eles marcam a visita para sábado de manhã, às 8h.

Ao chegar ao local, o médico mal consegue disfarçar sua reprovação com o “biotipo” do gordo paisagista. “Com certeza, mais um daqueles desleixados sedentários, que não cuidam da saúde”, pensou. Por sua vez, Gameleira, ficou decepcionado quando viu aquela mansão, rodeada apenas com um gramado muito mal executado, tendo na entrada, um “bordadinho” de pingo-de-ouro. “Mais um daqueles jardins econômicos, feito pelo ‘Zé das Couves’”, pensou. Não deu outra: “Gastaram tudo na casa sem deixar um tostão para o jardim”, concluiu. Não querendo opinar sobre o jardim, Gameleira pediu para ver a casa por dentro.

Doutor Ross, num esforço para ignorar o gordo paisagista, mostrou orgulhoso cada detalhe daquela maravilha que acabara de construir. Gameleira subiu a escada com dificuldade, logo atrás de seu cliente, atingindo o corredor. Abriu a porta de um dos cômodos, ainda meio escuro. Só notou a bela suíte, quando abriu a janela. Depois de contemplar e avaliar o lado de fora, perguntou:

– De quem será esta suíte?
– Da Renata, minha filha – respondeu ele de prontidão.
– Que dia ela faz aniversário?
– Dia 17 de outubro. Por que o senhor quer saber?
– Porque o senhor pode deixar comigo: todas às vezes em que ela fizer aniversário e abrir esta janela, verá o jardim todo florido! E mais: o perfume das flores entrará por aqui, desejando a ela um feliz aniversário.
– ”Caraca!” – respondeu o Doutor Ross – Hã… A minha esposa faz aniversário dia 6 de janeiro!
– Pode deixar, – não contendo o riso – neste dia, programarei o jardim para estar florido para ela também. Vamos projetar um cantinho especial para ela comemorar seu aniversário com amigas e convidados. O que acha? Neste dia, ela vai descobrir e comentar: ‘Renato! Você já percebeu que toda vez que faço aniversário, este meu cantinho que mais gosto, está todo florido? Olha essa! E essa! Não é lindo?’

Era a hora de fazer seu marketing pessoal. Destilou:

– Fazer um jardim florir na primavera todos sabem, não é mesmo? É a estação das flores! Porém, e os outros nove meses? Imagina o senhor sair de sua residência e retornar sem ver uma flor no jardim? E ainda ter que pagar por isso? Nove meses!

Renato Ross sentiu firmeza no paisagista. Apesar de gordo e sedentário, era bem diferente do “Zé das Couves”. Este sim transmitia confiança.
(Continua na próxima matéria…)

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14 Comments

  1. Olá, gostei muito da história. É uma história real ou de ficção?…pergunto porque se esse paisagista existe, gostaria de saber o nome dele, para procurar no google os jardins que ele projetou, pois devem ser muito criativos. Obrigada.

    • Olá Maria,

      O paisagista em questão é o Gustaaf Winters. Pode entrar em contato com ele clicando em: https://centropaisagistico.com.br/

      Abraços

      • Obrigada!!

        • Você merece, Maria!

          Abraços

  2. Gustaaf,

    Os anos podem passar mas os ótimos dias que passei com vocês no curso em Holambra ficam sempre na memória. Li seu texto, mas parecia que estava ouvindo você contar! Impossível não dar uma risadinha por dentro na parte do “bordado de pingo de ouro”!

    Um abraço,

    Ana

  3. Já tive a oportunidade de ouvir você contar essa história, mas estou ansioso novamente.
    Grande abraço,
    JOÃO JADÃO

  4. Comentário

  5. Esse é nosso eterno professor Gustaaf…

    Muito bom!

    Edu Acedo
    São Vicente/SP

  6. Caro Sr. Prof. e biólogo Gustaaf Winters. Estou amando essa história. Muito boa mesmo.
    Se me permite fazer uma observação, por favor, não me entenda mal, não gostei da utilização de certos adjetivos para descrever os personagens que podem parecer pejorativos.
    Um abraço e .. em meus projetos sempre coloquei árvores que florescem nas datas especiais dos moradores ou de empresas. E é muito legal mesmo.
    Parabéns.

  7. professor vc e suas historias fantastica adorei, estou aguardo o final abraços.

  8. Gustaaf, posso imaginar o “the end”, mas estou curiosa pela sua versão… Ficarei aguardando.
    Até mais. Abraços, Renata

  9. Caros senhores, que ótima surpresa receber o Jardim Cor!
    – Espero e desejo que vocês sejam uma forte voz em defesa da natureza.
    Para iniciar, peço a divulgação do método correto de poda das árvores, porque milhares ou milhões de árvores morrem anualmente, vítimas da total ignorância das pessoas que as podam. É incrível como mesmo as prefeituras não instruem os funcionários para este ofício. Ao menos não aqui em Salvador. Aqui, antes da passagem dos famigerados trios elétricos, os caminhões da prefeitura saem decepando tudo pela frente. – É de chorar!
    Por favor, arrumem uma matéria bem didática, com direito a desenho e tudo e terão feito tudo de bom se algumas árvores forem salvas. Pela minha parte, ensino a todo mundo que se interessa, mas, com certeza a voz de vocês será muito mais forte.
    Longa vida ao maravilhoso trabalho que começam a desenvolver.
    Tudo de bom, Sandra

  10. Gustaaf, vou aguardar o desenrolar da estoria. Muito boa!! Abraço.
    Alex Sá

  11. É assim que acontece
    Gustaaf

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