A vida de um imortal
Aninhada no úmido berço de húmus, a semente, que não era maior que uma cabeça de fósforo, esperava. Em seus genes, estavam o segredo da vida e do crescimento, que herdara de uma grande árvore que se erguia majestosa, gigantesca a uns 50m de distância, a Sequoia sempervirens. Sua “mãe” havia germinado quando Hamurabi fundava a Babilônia, e agora, já era a época em que Aníbal de Cartago conduzia seus elefantes através dos Alpes e, o Senado, em Roma, estava em pânico. A sequoia mãe havia filtrado, com seus ramos, o sol e a neblina de 1900 verões e bebido as chuvas de 1900 invernos e, a semente, para ter o mesmo destino, dependia de muito mais do que hereditariedade. Por duas vezes já fora abençoada pela sorte: primeiro porque estava entre a quarta parte das mil sementes espalhadas pela genitora no inverno anterior, e que eram “viáveis”, ou seja, que continham vida; e segundo, porque fora cair num lugar da floresta em que podia germinar.
O solo tépido e úmido despertou a semente que rompeu a casca, espichou a cabeça e afundou as delicadas raízes. Ela cresceu reta e esticou os raminhos para os lados, enquanto afundava as raízes. Guiada pelo instinto, esticava-se para o alto, sempre mais alto a procura da luz, soltava os ramos mais baixos para não perder a energia necessária para a escalada, engrossava o tronco e expandia as raízes para poder se sustentar. Lentamente, com o passar das décadas, tornou-se um arvoreta.
Passaram-se mais dois séculos. As tribos germânicas invadiam e destruíam o Império Romano. Nossa arvoreta, que sobrevivera aos perigos da infância e da adolescência, entrava na juventude após ter escapado de terríveis tempestades, com raios que haviam incendiado o topo de vários de seus parentes e, ainda, suportado muitos vendavais que tinham sido a causa da queda e morte de vários de seus vizinhos. Foi então, que forças poderosas, em movimento sobre o Oceano Pacifico, começaram a formar enormes nuvens negras carregadas de chuva, que logo atingiram a costa e a floresta. Choveu durante um mês sem parar.
Nossa árvore, que estava no sopé de um morro, não muito longe da beira do rio, teve que enfrentar uma situação nova: o rio transbordou e a lama trazida pelas enxurradas fez o solo subir quase um metro! Nossa heroína sabia que estava em maus lençóis, pois suas raízes estavam muito fundas e tinham que voltar para mais perto da superfície. E então, lembrou-se das informações contidas na semente que havia dado inicio à sua existência, e assim pôde criar um novo sistema radicular mais para cima do anterior e, pouco a pouco, deixou que o velho morresse. Sobreviveu!
Cem anos depois, outro problema. No ano anterior, o verão havia sido muito quente, sem aquelas chuvas de outono e inverno, fracas e intermitentes. A seca prolongou-se pela primavera e, quando chegou novamente o verão, os riachos estavam secos, o rio mais parecia um regato e a densa camada de folhas e agulhas já não era húmus, e sim, uma massa seca facilmente inflamável. O fogo, que veio espontâneo, foi brutal. Todo ser vegetal jovem e de pouca estatura virou cinza ou carvão. As labaredas subiam altas e atingiam a folhagem das sequoias. Nossa amiga sofreu uma enorme queimadura de um lado do tronco, mas a ferida não fora fatal e, centímetro a centímetro, ano após ano, a árvore produziu um novo tecido, novas casca, e, após quase 100 anos, a ferida cicatrizou.
Em 800 d.C, quando Carlos Magno foi coroado Imperador, nossa sequoia atingiu os 1.000 anos de idade. Quando surgiram as Catedrais góticas, cujos pilares lembram altos troncos, ela estava com 1.500 anos.
Por cinco vezes, enchentes elevaram o solo e a árvore precisou criar um novo sistema radicular. Mas, duas vezes, foi ferida pelo fogo e precisou se regenerar.
Velha, em comparação a tudo que vivia, ainda tinha vigor suficiente para crescer em altura e circunferência, década após década, enquanto os homens lutavam nas cruzadas, Colombo descobria a América, os primeiros colonos ingleses desembarcavam em Plymouth Rock e as 13 Colônias se separavam do jugo Britânico.
Foi em 1849, quando, na Corrida do Ouro, nossa árvore enfrentou o maior desafio de sua vida: o fogo foi tão intenso que queimou um terço de sua circunferência, e deixou uma ferida de 5m de extensão, e, o pior, queimou as raízes de um dos lados. A sequoia pendeu para o lado norte e seu destino, após 2.000 anos de vida, era a queda fatal. Mas, novamente, o segredo vital contido na semente que a originara, entrou em funcionamento: a árvore iniciou a cura da chaga e, ainda por cima, começou a fabricar centímetro a centímetro um braço lateral, um arco de apoio, para ajudar na sustentação. Teria tempo suficiente para terminar esse incrível trabalho, antes que outra catástrofe a atingisse? Lutou durante 100 anos e conseguiu se apoiar!
Chegou o inverno de 1955, e, perto do final do ano, uma tempestade de proporções épicas, proveniente do Oceano, atingiu a região e causou desmoronamentos e inundações. A devastação foi gigantesca. O solo, encharcado ao redor da sequoia, perdeu consistência e ficou fofo demais para que o braço de apoio pudesse sustentar as 1.000 toneladas de peso de nossa amiga. O fim chegou às primeiras horas da manhã de 26 de dezembro. Lentamente, a árvore foi se inclinando até as raízes se partirem e, num dolorido estrondo final, a gigante caiu. Haviam-se passado 2.200 anos, desde que o brotinho despontara na floresta.
A velha rainha havia morrido… Mas partes das raízes que se romperam na queda permaneciam no solo e nelas existia a força da vida. No começo da primavera, as raízes brotaram, não era outra vida, mas a continuação da vida da mesma, a grande e corajosa Sequoia sempervirens!
Escritora, poliglota, amante da leitura e apaixonada pelo mundo vegetal.