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Paisagismo e Jardinagem

Da seca ao dilúvio e a lei de coberturas verdes

Em fevereiro Buenos Aires passou por um longo período de chuvas. Foram duas semanas de precipitações diárias logo de um longo período muito seco. Todos temiam que o granizo viesse com seu poder destrutor. Demos sorte e nos salvamos dessa. Agora o outono nos presenteia dias de céu azul com algumas nuvens muito brancas, sol delicioso e alguns dias de chuvas prolongadas, porém suaves. Daquelas boas para regar o jardim.

O granizo da foto é real e já está um tanto derretido. Causou estragos em vários bairros, a falta de telhas fez seu preço subir muito, faltou mão-de-obra especializada para consertar tanto telhado. Isso foi há quatro anos, em abril de 2010. Até hoje há casas que ainda mostram suas cicatrizes.

Naquelas duas aguadas semanas choveu praticamente 24h por dia. Por sorte também naquele momento foi o tipo de chuva constante que cai sem causar (tantos) estragos. Eventuais cortinas d’água prejudicaram o trânsito e causaram, guardadas as proporções de experiências anteriores, “apenas” pequenas enchentes. Plantas e gramados ficaram felizes da vida, crescendo que dá gosto. A água foi tanta que até mesmo os vasos receberam mais que o suficiente, momento em que nos damos conta de drenagens mal feitas ou obstruídas pelo tempo.

Buenos Aires é uma cidade muito úmida dada sua proximidade ao rio. Mas, apesar da alta umidade do ar, antes dessas duas semanas os gramados estavam amarelando e as plantas sofrendo com a seca. Com 40 ou mais graus de sensação térmica e quase isso de temperatura até mesmo os seres humanos estávamos murchos.

Da seca ao dilúvio. Dos apagões por excesso de consumo causado pelo uso do ar condicionado à falta de luz por causa da chuva. Pelo menos os sistemas de irrigação com medidor de chuva descansaram. Ao contrário das formigas, que continuaram descontroladas com tanta água, invadindo casas, arrasando plantas em busca da sobrevivência.

Cinza do chão às alturas: Buenos Aires – Barrio Norte / Foto: Wikimedia – Aaron Epstein

Já sabemos que nas cidades escasseia a terra. E que áreas verdes contribuem no controle térmico, na retenção de pó, na redução de ruídos, na absorção de águas pluviais. Também que as áreas impermeáveis são muitas, que os ares condicionados de veículos e imóveis contribuem com calor das cidades e que quem até hoje sobreviveu sem, faz sérios planos de comprar um. Que seja ecológico, consuma pouco, refresque muito. Isso ajuda, combate os sintomas. Para atingir o mal pela raiz procuramos diminuir nossa pegada de carbono. Reciclamos, sonhamos que trocar o carro pelo transporte público seja uma opção viável para todos, escolhemos políticos “mais verdes”. Políticos esses que aprovam leis como a 416, de 2012[i]. Bingo!

Essa lei válida na Cidade Autônoma de Buenos Aires dispõe que aqueles construtores que incorporarem coberturas verdes aos edifícios terão desconto em impostos relativos à construção e aprovação da obra. E que, se mantiverem essas áreas verdes, anualmente terão desconto no imposto municipal. O mesmo vale para edificações antigas. Os descontos são calculados conforme a relação existente entre área total do telhado e área coberta pelo verde, utilizando um coeficiente. E aplicam-se inspeções anuais para renovação do beneficio. O desconto máximo é de 20% da taxa em referência.

A temperatura de um teto verde comparada a um convencional (74oF = 23,33oC; 151oF = 66,11oC). / Fonte desconhecida

Existem duas maneiras de diminuir o efeito da ilha de calor urbana: aumentando a vegetação e melhorando a refletividade das superfícies urbanas. As coberturas verdes agem das duas formas e reduzem consideravelmente o uso individual de energia de um edifício. Enquanto um teto com membrana asfáltica pode atingir os 70oC num dia de verão, um com cobertura verde geralmente não ultrapassa os 26oC. O resfriamento por evaporação reduz a transferência de calor ao interior da construção.

Além disso, temos os demais argumentos das coberturas verdes:

  • Favorecem a biodiversidade e ajudam a recriar o vínculo entre cidade e natureza
  • Ampliam e unem corredores ecológicos, principalmente se escolhermos espécies de plantas nativas
  • Retenção de água de chuva aliviando os sistemas pluviais e diminuindo enchentes
  • Purificação do ar
  • Maior estabilidade e conforto térmico também no inverno
  • Possibilidade de ter novas áreas de lazer e estar
  • Beleza

O primeiro teto verde em um edifício público da cidade foi implantado numa escola e cumpre, além das funções ambientais, uma educativa: nele os alunos aprendem sobre a flora e a fauna. Tem 236m2 e manutenção mínima. Foi dividido em áreas com e sem manutenção, com e sem irrigação, possibilitando estudar as espécies utilizadas, seu comportamento anual, sua adaptação ao regime de chuvas, seu valor para a fauna. As espécies utilizadas são principalmente nativas da região, como a cortadeira (Cortadeira selloana), a salvia guaranítica (Salvia guaranitica), a lantana lilás (Lantana megapotamica) e uma das diversas espécies de maracujá (Passiflora caerulea).

A boa impermeabilização e a preocupação com a drenagem são essenciais para evitar aborrecimentos com as coberturas verdes.

Na implantação houve muito cuidado com a impermeabilização. Foi feita uma limpeza, verificou-se a regularidade do piso e instalou-se sobre a já existente uma nova membrana especial de PVC soldada por termofusão. Esta é impermeável e resistente aos raios ultravioletas e ao contato permanente com água. Logo, capricharam na drenagem, adequando as quedas até os ralos. Utilizaram um substrato leve e adequado às espécies, instalaram irrigação automatizada por goteio em determinadas áreas e, por fim, puderam plantar.

Se todos fizerem o mesmo, a área verde da cidade pode ser praticamente igual à sua extensão total. Levante a mão quem acha isso uma boa ideia!

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