Depressão: A Terapia do Jardim – Parte II
Hesíodo, por volta de 650 a.C. escreveu o poema épico conhecido como “O Trabalho e os Dias”. Segundo o poeta, os humanos teriam passado por cinco eras ou fases depois de criados, cada era possuía uma raça harmonizada com seu contorno e seu presente.
A primeira foi no tempo de Cronos – filho das águas e da mãe-terra – o titã que governava o tempo. Os homens e as mulheres viviam plenamente, animados e entusiasmados não envelheciam, alimentando-se das bolotas de um carvalho colossal cujo aspecto conservava uma primavera eternal e também de frutas que jamais azedavam. Gea, a mãe-terra de Cronos, gerava alimentos sem parar, produzindo milagres que faziam com que as folhas das árvores gotejassem mel em lugar de orvalho. A agricultura e a criação não foram inventadas, já que eram desnecessárias e inúteis nessa época.
Tudo corria de modo quase mágico até que Prometeu revelou o segredo do fogo. Zeus, enfurecido, deixou que Pandora, a primeira mulher criada por ele, abrisse a caixa onde eram guardados todos o males do mundo libertando-os para a partir desse instante perverter e submeter ao sofrimento toda humanidade. Entretanto, à esperança, vista como um mal porque trazia ilusória confiança sobre o futuro, fora preservada.
Essa mesma esperança que permeia nos jardins prometendo novas brotações e flores que se transformarão em frutos para alimentar-nos. Talvez seja uma confiança ilusória, mas mesmo assim sou testemunha de que o jardim simboliza a vida em permanente renovação. É nele que desisto de minhas tristezas renovando as forças que preciso para andar entre um grupo de ervas-de-são-joão (Hypericum perforatum) que me auxiliam afastando as melancolias.
Quando Zeus, o maioral dos deuses do Olimpo, entregou essa caixa à Pandora, recomendou nunca abrí-la, dado que nela uma batelada de infortúnios e tragédias nos afligiriam. Mas ela, curiosa, não resistiu e herdamos essas mazelas que nos causam depressão, uma doença que levou mais de 800 mil pessoas a cometerem suicídio no ano passado, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um número que representa uma morte a cada 40 segundos. Esse distúrbio está ligado diretamente a falta de luz solar e compromete, em maior número, os países com invernos longos e frios como: Lituânia, Coréia do Sul, Cazaquistão, Eslovênia, Hungria, Rússia, Groenlândia e os países escandinavos, estes últimos campeões mundiais no consumo de antidepressivos, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Curiosamente não é a pobreza a mola propulsora dessas melancolias crônicas e sim o confinamento praticado por pessoas que, apesar de não enfrentar problemas financeiros, se isolam entre quatro paredes abstendo-se da companhia de outras pessoas e, especialmente, renunciando a viver em contato com a natureza, algo tão instintivo e atávico no homem descrito na Raça de Ouro, a primeira conforme Hesíodo.
No jardim, contemplando os estágios de um bulbo, aprendi que em algum momento difícil de nossas vidas podemos esconder-nos dos outros, como o fazem as açucenas, os gladíolos e as tulipas. Essas perspicazes plantas se protegem do frio sob uma camada de terra morna e nós podemos dar- nos o luxo de procurar um refúgio seguro sob as cobertas da nossa cama durante um tempo mas, percebendo um raio de luz, merecemos emergir dessa situação e fazer como esses bulbos que florescem graças ao calor do sol.
Como eles, precisamos sorrir e sermos felizes.
Raul Cânovas nasceu em 1945. Argentino, paisagista, escritor, professor e palestrante. Com 50 anos de experiência no mercado de paisagismo, Cânovas é um profissional experiente e competente na arte de impactar, tocar, cativar e despertar sentimentos nos mais diversos públicos.
Obrigado por abordar esse assunto…A Deperessao sempre fica nublado e cinza no inverno..
Mas a cada amanhecer Deus nos da mais uma oprtunidade e com o Sol nasce a esperança e o Amor pela Natureza” Um dia gostaria de assistir uma palestra pessoalmente… Você e muito carismatico e competente em tudo que faz.
Obrigado pelo carinho, Neiva,
Vi que é Técnica de Enfermagem na Prefeitura de Porto Alegre e imagino que deve se deparar com pessoas que atravessem momentos difíceis e, claro, também carregados de tristeza.
Quem sabe possa participar de algum evento comigo na próxima vez que for a sua cidade.
Abraços